terça-feira, 19 de outubro de 2010

O homem que descreveu a couve-flor

Morreu na passada semana uma das pessoas que mais sono me roubou. Foi ele, Benoît Mandelbrot, que entre a segunda metade da década de 70 e o início dos anos 80 do século passado, com base em linhas quebradas desenhadas num papel, meteu ordem no caos. Ou melhor, descobriu como modelar, a partir da rigidez primordial da matemática, não apenas o caos aparente, mas a própria Natureza.

A primeira vez que li algo sobre fractais foi na Science & Vie, na altura em que se começava a desvendar ao público o raciocínio a partir do qual Mandelbrot deu origem à sua teoria sobre fractais.

Aí percebi como ele, imaginando a necessidade de determinar a extensão da costa marítima de França, concluiu que o valor encontrado dependeria do tamanho do padrão usado.

Percebi também como ele deduziu que esse valor deveria crescer indefinidamente à medida que esse padrão fosse sucessivamente mais pequeno, e como ele se apercebeu de que a costa de França (como qualquer outra, claro) sendo extraordinariamente intrincada e complexa, se assemelha no seu todo a uma qualquer fracção dela própria, independentemente da escala que possa ser usada.

Estabeleceu assim o conceito de auto-semelhança (já que o todo está reproduzido indefinidamente em cada um dos seus pormenores) e formulou matematicamente uma teoria que permitia a construção de modelos incrivelmente semelhantes à própria Natureza.

Com o aparecimento de computadores mais potentes (e com o advento dos primeiros PCs), começámos a ver formarem-se imagens de capilares, vasos e artérias, folhas, ramos, árvores, florestas, pequenos ribeiros e grandes rios, cristais de gelo, nuvens e modelos cósmicos, desde o infinitamente pequeno ao infinitamente grande.

Foi igualmente infindável o prazer que tirei de muitas horas que passei a testar programas de computador que produziam (ou tentavam produzir) imagens fractais. Mas aquilo que na teoria de Mandelbrot – tal como em grande parte das teorias matemáticas – será eventualmente mais estimulante, é a impressionante e grande parte das vezes inesperada capacidade de ser aplicada à realidade, desde a Mineralogia à modelação de estruturas neuronais, desde as teorias económicas à Mecânica dos Fluidos, desde as circunvoluções cerebrais até à composição musical (a auto-semelhança e repetição de motivos são bem conhecidos no caso da música de Bach).


Até mesmo ser aplicada ao modelo de crescimento de uma couve-flor, um dos mais notáveis objectos fractais existentes na natureza.


Uma das muitas coisas interessantes que descobri nos TED Talks foi, vai já para uns dois anos, esta interessantíssima palestra de um outro matemático, Ron Eglash, sobre modelos fractais em Etnografia.

Vede, não vos ireis arrepender. E, tenho a certeza, Benoît Mandelbrot irá continuar a tirar-me o sono.

3 comentários:

sem-se-ver disse...

verei sim, mai logo.

os fractais fascinam-me.

(e que belo post tens aqui, fj. parabéns)

sem-se-ver disse...

interessantissimooooo!

caramba.


(mais uma para reforçar a minha convicção de que não há raças superiores a nenhuma; salvo a negra.)

fj disse...

ainda bem que gostaste – do post e da palestra. achei-a interessantíssima, mais uma vez é a beleza dos fractais e da matemática, desta vez a descrever pessoas e as coisas que elas criam. fascinante.